quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

OS PLANETAS MAIS ANTIGOS DO UNIVERSO


28/01/15

Astrônomos usando dados, adivinhe só, do telescópio espacial Kepler, da Nasa, fizeram mais uma descoberta extraordinária. Eles encontraram o mais antigo sistema planetário de que se tem notícia, com cerca de 11,2 bilhões de anos.

Concepção artística do sistema Kepler-444, o mais antigo já descoberto (Crédito: Universidade de Birmingham)

É verdade que a margem de erro é do naipe “ibope” — 1 bilhão de anos para mais ou para menos. Ainda assim, é um sistema muito antigo, concebido numa época em que o Universo era bem jovem. E os planetas são rochosos, como a Terra, o que nos dá a confiança de que astros favoráveis ao surgimento da vida têm sido criados há muito, muito tempo no cosmos. Compare os 11,2 bilhões de anos do sistema Kepler-444, recém-descoberto, aos 4,6 bilhões de anos do Sol e sua família de planetas. É quase o triplo.

Trocando em miúdos: a vida pode ter florescido em nossa galáxia muito tempo antes que nosso planeta sequer existisse. Mas não em Kepler-444, que fique claro. É um sistema para lá de complicado, e todos os planetas são quentes demais para abrigar água líquida e vida como a conhecemos.

VAMOS ATÉ LÁ?
Normalmente, muitas pessoas reagem negativamente às distâncias interestelares. “De que adianta descobrir esses planetas se não podemos ir até lá?” É bem verdade que ainda não sabemos nem como viajar até a estrela mais próxima, a meros quatro anos-luz de distância, num tempo inferior a dezenas de milhares de anos. Mas para muitas pessoas a imaginação, estimulada pelo conhecimento, já ajuda a transpor os vastos vazios que separam as estrelas.

Você é uma delas? Façamos, pois, uma visita virtual a esse sistema, localizado a modestos 120 anos-luz de distância, na constelação de Lira. A primeira coisa que notaremos ao nos aproximar é que Kepler-444 não é um sistema de uma estrela solitária, como o Sol. Notaremos, como fez a equipe do astrônomo português Tiago Campante, da Universidade de Birmingham no Reino Unido, ao realizar observações posteriores com telescópios em solo, que há uma segunda estrela, menos brilhante, em torno do astro principal.

Verificando a separação aparente entre elas, os computadores de bordo de nossa espaçonave virtual nos informam que a menor deve estar girando em torno da maior a uma distância relativamente grande, completando uma volta a cada 430 anos, aproximadamente.

Imagem feita com o telescópio Keck II, no Havaí, revela uma estrela menos brilhante ao redor de Kepler-444. (Crédito: Campante et al.)

Mas conforme nossa distância do sistema diminui, temos mais uma surpresa. O astro menor não é uma estrela, mas duas — duas anãs vermelhas, bem menores e mais frias que o Sol. Elas giram em torno de um centro comum enquanto avançam juntas ao redor do astro maior, uma anã laranja, apenas ligeiramente menor que nossa estrela-mãe. Tudo isso nós descobrimos ao analisar a luz vinda desses astros, que revela sua temperatura e seu tipo espectral.

Partimos então para uma análise mais sofisticada do espectro da estrela principal. Ao detectar pequenas vibrações internas, que se refletem em sutis alterações de brilho na estrela — algo que o astrônomo brasileiro Eduardo Janot, da USP, gosta de chamar de “estelemotos” — os pesquisadores puderam estimar a idade (a técnica é conhecida como “asterosismologia”). E aí chegaram aos 11,2 bilhões de anos.

Seguindo em frente, avançamos até as proximidades da estrela maior e lá encontramos nosso tesouro: cinco pequenos planetas, todos rochosos e menores que a Terra. O menor deles é o mais interno, Kepler-444b, que completa uma volta em torno de sua estrela em apenas 3,6 dias terrestres. Ele tem o tamanho aproximado de Mercúrio, o menor dos planetas do nosso Sistema Solar, mas é bem mais quente, pois está bem mais próximo de sua estrela. Aliás, todos os cinco planetas caberiam num círculo com um quinto do tamanho da órbita de Mercúrio — é o que os astrônomos chamam de um sistema altamente compactado. O segundo planeta completa uma volta em 4,5 dias, o terceiro em 6,2 dias, o quarto em 7,7 e o quinto em 9,7. O maior é o último, com cerca de três quartos do diâmetro da Terra.

Embora sejam inabitáveis, eles trazem uma confirmação importante — os ingredientes básicos para a formação de planetas como a Terra já existiam 11 bilhões de anos atrás.

NÃO BASTA A RECEITA
Esse é um dos grandes enigmas da astronomia dos exoplanetas — quando eles começaram a se formar? O drama é que, no princípio do Universo, 13,8 bilhões de anos atrás, só havia três elementos químicos: hidrogênio, hélio e uma pitada de lítio.

Com esse trio, já dava para fabricar estrelas — grandes bolas de gás que convertem hidrogênio em elementos mais pesados por fusão nuclear –, mas não planetas — que exigem átomos mais pesados, como carbono e oxigênio. Para que mundos como o nosso pudessem existir, primeiro as estrelas primordiais tiveram de “construí-los” em suas fornalhas internas e depois semeá-los pelo Universo, principalmente por meio das explosões violentas conhecidas como supernovas.

Espalhados pelo espaço, esses estilhaços atômicos acabaram semeando nuvens de gás que formariam outras estrelas. E o processo seguiria adiante, gradualmente tornando o Universo um lugar com maior variedade química. Mas em que momento exatamente já havia concentração suficiente de elementos pesados para o surgimento de planetas rochosos?

Essa é a importância do novo achado — ele empurra ainda mais para trás esse momento de transição. Já conhecíamos alguns sistemas planetários com idade estimada em coisa de 10 bilhões de anos (Kepler-10 e Kapteyn, para citar dois exemplos), mas o Kepler-444 parece ser ainda mais antigo.

“A descoberta de um sistema antigo de planetas de tamanho terrestre em torno da estrela Kepler-444 confirma que os primeiros planetas se formaram muito cedo na história da galáxia, e com isso ajuda a determinar o início da era da formação planetária”, escrevem os pesquisadores, em artigo publicado ontem no “Astrophysical Journal”.

A descoberta representa mais um triunfo do princípio copernicano. Inspirado originalmente pela constatação de Copérnico de que a Terra estava longe de ser o centro do Universo, e em vez disso era apenas mais um planeta a girar em torno do Sol, consolidou-se a noção de que não há nada de especial sobre nosso mundo que o torne melhor ou mais interessante que outros espalhados pelo Universo.

A descoberta, nos últimos anos, de que planetas similares em composição à Terra e com níveis de radiação similares existem em grandes quantidades foi mais uma confirmação desse princípio. E agora vemos que nem mesmo numa época especial nós vivemos. A vida pode ter emergido pela primeira vez no Universo vários bilhões de anos antes que nosso planeta tenha sequer nascido. Não somos únicos. Somos, em vez disso, apenas mais um exemplo da obsessão criativa do cosmos.

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